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Os Antípodas

Voltando a pedalar

Atualizado: 8 de abr. de 2020


Projeto Ciclos – Diário de bordo 37.

Saímos da Colômbia de avião, indo de Cartagena a Bogotá, e de Bogotá ao Panamá, o primeiro país da América Central que visitaríamos. Fomos de avião pois não há estradas que conectam a Colômbia ao Panamá, supostamente para não facilitar o trânsito de drogas para a América Central e América do Norte (como se isso funcionasse). Essa região é chamada de Região de Darién, uma área selvagem; é a única fronteira que não se pode cruzar por terra em toda a América. Para ir da Colômbia ao Panamá sem tomar avião, cruzando a região de Darien, é necessário tomar alguns transportes terrestres e uns dois ou três barcos.

Eu, pessoalmente, não gosto de transportar as bicicletas em ônibus ou caminhonetes, sempre há o perigo de quebrar alguma coisa, além do trabalho para embalar, quando necessário. Para levar no avião então, os cuidados foram redobrados. Embalamos as bicicletas com 15 ou 20 metros de plástico bolha e fomos na fé. Reduzimos ao máximo nossa bagagem e pesamos tudo antes do dia do voo para não ter surpresas, pois a taxa de sobrepeso em voos costuma ser cara. Com todos esses cuidados, nossa bagagem entrou dentro dos limites.

Mas ainda tínhamos outros medos: a companhia aérea (Avianca) podia nos exigir uma passagem de saída do Panamá, coisa que não tínhamos, claro, pois sairíamos do país em bicicleta, a aduana em Colômbia podia nos perguntar sobre a AlMa (nosso carro), e a aduana no Panamá podia nos dificultar a entrada no país por não termos a passagem de volta nem US$500,00 por pessoa em mãos para mostrar-lhes.

Apesar de tantos medos, nenhum deles se concretizou. Apenas a Avianca nos perguntou sobre a passagem de saída do Panamá, e nós respondemos falando sobre nossa viagem, e mostrando as bicicletas; eles demoraram um pouco, foram consultar algum superior, mas no final nos liberaram. Nós tínhamos em mãos algumas reportagens que fizeram sobre nós em alguns países, mas não foi necessário usá-las.

Chegamos na Cidade do Panamá, a capital do país, num domingo, e um amigo de amigo nos recebeu no aeroporto. Era o Luís e sua namorada Josefina. Eles nos mostraram um pouco da cidade, nos deram uma introdução ao país, e nos ajudaram a encontrar uma hospedagem, já que não podiam receber-nos em sua casa.

Ficamos três noites na capital, esperando Marcela passar pelas suas cólicas pré-menstruais, antes de voltar a pedalar, e no dia 18 de janeiro às cinco da manhã saímos rumo ao norte, pela famosa Carretera Panamericana. Por ser a capital, havia bastante trânsito, mas sem oferecer perigo a nós.

Saindo da cidade cruzamos a grande Puente de las Américas, que passa sobre o famoso Canal do Panamá, inaugurado em 1914, uma obra de engenharia chave que integrou o Oceano Atlântico ao Pacífico, por onde passam anualmente mais de 14 mil navios de carga, que tardam, em média, 24 horas para cruzá-lo. Cruzando a ponte me senti realmente no Panamá, por estar cruzando o famoso Canal ao mesmo tempo em que via bandeirinhas do país tremulando ao vento na ponte.

Neste dia pedalamos pouco, trinta quilômetros, pois a Marcela começou a ter fortes cólicas, e paramos numa hospedagem. Por pouco não tivemos que ir ao hospital, como passou no Chile e na Argentina. Devíamos ter ficado um ou dois dias mais na capital... mais uma lição!

No outro dia a Marcela já estava recuperada, e pedalamos mais quilômetros, até que chegou o sol e nosso rendimento caiu. O sol aqui é fortíssimo, e desde as nove horas da manhã sentimos seus efeitos. Buscamos um lugar onde dormir, ainda tímidos pra pedir pouso gratuito, e encontramos somente uma hospedagem que nos cobraria 50 dólares, muito acima dos nossos 15 dólares de orçamento diário para gastar com tudo. Cruzamos a rua da hospedagem e vimos uma escola com as portas abertas. Tomamos coragem e fomos até lá; o diretor nos recebeu e nos permitiu passar a noite lá, com direito a wifi, banho de caneca e dois refrigerantes bem gelados de presente. Sim, voltamos a pedalar!!

Nos próximos dias de pedal dormimos num acampamento da Igreja Episcopal (quando tomamos banho no mar), na casa de Carlos (do Couchsurfing, professor de inglês de origem humilde que aprendeu a falar o idioma com missionários da Igreja Mórmon e que foi para o Canadá por dois meses para capacitar-se logo que saímos de sua casa), em uma oficina mecânica de caminhões (onde dormimos dentro da cabine de um caminhão abandonado, hehehe, protegidos de uma forte chuva noturna), num motel na beira da estrada (com direito a cadeira erótica =D), na Polícia, numa fazenda, na casa da família de Luis (do Couchsurfing, foi uma linda experiência onde nos sentimos parte uma autêntica família panamenha, pudemos conhecer um pouco da cultura e culinária do país, nadamos num rio perto da casa, e falamos bastante português com o Luis, um menino inteligente e autodidata) e na casa de Daniel (de Warmshowers, onde dormimos na garagem, só com nossos isolantes térmicos, pra não passar calor), totalizando 16 dias no país.

Durante nossa estadia com a família de Luis, Marcela teve uma experiência forte. Ela foi no mercado que havia perto da casa da família fazer compras levando uma sacola retornável (que sempre usamos para diminuir o uso de sacolas plásticas) e foi acusada de roubo, justamente por estar colocando os produtos dentro da sacola retornável. Devido à violência da acusação, vinda do segurança do lugar, ela se assustou e começou a chorar. Depois o dono do mercado lhe levou uma cesta para colocar os produtos, e ela continuou as compras, chorando. Ao final, nem um pedido de desculpas houve, muito menos um desconto pela vergonha que a fizeram passar. Foi uma experiência para ela e certamente para os trabalhadores do mercado, que não estavam acostumados com sacolas retornáveis.

Claro, não é por uma experiência “negativa” que vamos esquecer todas as outras positivas pelas quais passamos no país. Voltar a pedalar no Panamá (depois de quase um ano), foi bom porque não haviam grande inclinações; em uma parte do caminho estivemos protegidos por um bom acostamento, e na outra parte pedalamos quase sem outros veículos, pois quase toda a Carretera Panamericana está sendo duplicada, e metade da pista está bloqueada para os veículos. Quando se terminem as obras, haverá bom acostamento por toda a Carretera no país.

Pedalar pelo Panamá foi gratificante. Estávamos felizes por voltar a sentir a liberdade e o contato com as pessoas que proporciona o cicloturismo. Felizes por mover-nos com nossa própria energia, por sentir o vento na cara, o sol na pele e o suor na camisa; felizes por novamente provar a solidariedade das pessoas, que nos acolhem e nos apoiam sem nunca nos ter visto antes na vida.

Viva la vida!!

Informações da viagem:

Mapa do trajeto:

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