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Foto do escritorOs Antípodas

Bioarquitetura

Atualizado: 7 de abr. de 2020

Ao pé da letra, o termo Bioarquitetura pode ser traduzido como arquitetura viva, arquitetura com vida.

Arquitetura viva... um termo bastante profundo, não? Mas bioarquitetura representa ainda mais que isso.

Historicamente, os mais diversos povos e civilizações espalhados pelo mundo fizeram suas habitações usando o que havia na área, ou seja, materiais disponíveis localmente, como madeira, pedras, terra, areia, esterco, palha, bambu e fibras naturais. Isso fazia parte de suas culturas e tradições. Os projetistas e construtores geralmente gozavam de prestígio em suas sociedades; segundo Johan Van Lengen, arquiteto holandês radicado no Brasil, no império asteca os arquitetos eram chamados “tlayoltehuani” (em seu idioma, chamado nahuátl), que significa “aqueles que usam o seu coração para fazer coisas divinas”.

Taj Mahal, na Índia, com toda sua estrutura feita em terra. De pé desde 1653.

A arquitetura utilizando materiais locais começou a mudar há aproximadamente 150 anos, quando nossa civilização começou a caminhar a passos largos em direção a uma arquitetura “global”, com o uso cada vez mais massificado do cimento. Esta arquitetura atual, que não está preocupada com saberes tradicionais, nem em seguir padrões construtivos milenares ou usar materiais locais, padroniza tudo, construindo quase da mesma forma uma habitação na Mata Atlântica ou na Caatinga, na praia ou na montanha, em zonas úmidas ou secas, no calor ou no frio (colocando ou tirando o ar condicionado/piscina/vaporizador de ar/aquecedor/etc., de acordo com o clima).

Essa padronização nós não vemos somente na arquitetura, pois ela faz parte da globalização socioeconômica, do mercado de consumo, do american way of life, um método de vida afastado de nossas origens como espécie, onde temos nossas percepções de fluxos naturais totalmente distorcidas.

Exemplo de arquitetura contemporânea.

Hoje, quem sabe construir a própria casa? Quem sabe plantar a própria comida? De onde você está agora, você sabe dizer onde o sol nasce e onde ele se põe? De onde vem o leite, a laranja, a banana, o ovo, a carne que você consome? Não se sinta mal se não souber alguma resposta, isso mostra como estamos afastados da realidade, da origem das coisas. Há quem diga que SOMOS os donos do saber, ou seja, os “Homo sapiens sapiens”. Eu acho mais apropriado se usássemos o termo “Homo pseudo sapiens” para nos descrevermos.

Vendo esse estado de coisas, Johan Van Lengen, cunhou o termo “bioarquitetura”, que nada mais é do que o resgate das técnicas arquitetônicas tradicionais para a nossa realidade. Na bioarquitetura não se rejeita o cimento; pelo contrário, se reconhece sua eficiência e praticidade, mas não se coloca esse material num pedestal como única solução possível para a construção; até porque a construção com terra, por exemplo, já foi testada e aprovada há milênios, enquanto o cimento tem 150 anos de uso. No Peru, por exemplo, foi descoberto um templo feito com blocos de terra crua (chamados adobes) que tem aproximadamente 4 mil anos; no Irã há a “cidade de adobes”, Arg Bam, com 2,5 mil anos. No Brasil, as igrejas erguidas no período colonial e imperial são em sua maioria feitas de taipa de pilão (técnica de contrução com terra), como a igreja de São Francisco de Assis, na cidade histórica de Ouro Preto-MG. Um exemplo de bioarquitetura atual no Brasil pode ser visto na página “Construção Natural”, do arquiteto Michek Habib Ghattas (ver as referências ao final do post).

Quanto ao cimento, os impactos da produção e transporte desse material (simplificadamente uma mistura de gesso, argila e calcário) são muito grandes, pois requer rochas específicas, grandes áreas de mineração, alta quantidade de energia (queima em dois períodos de 12 horas cada) e é lançado um grande volume de gases à atmosfera. Por isso, é sensato que o utilizemos com parcimônia.

Arquitetura com terra Musgum, grupo étnico camaronês

Observemos a generosidade da natureza: o material de construção mais abundante do planeta Terra é a terra. Uma das maneiras de se construir com terra é fazendo adobes, que são blocos de terra parecidos com tijolos, mas que não são queimados; mas há muitas outras técnicas, como pau-a-pique, cobe, solocimento (terra misturada com um pouco de cimento), hiperadobe. O termo adobe vem do Egito antigo e significa “pé, mão, pão” nos hieróglifos; ele é totalmente natural: sua composição básica é terra e água, mas pode-se adicionar areia, esterco de animais herbívoros ou palha, dependendo da qualidade desejada e finalidade dos adobes.

Segundo Peter Van Lengen, filho de Johan, o adobe possui muitas vantagens, pois é uma barreira contra radiação (por isso celulares não funcionam bem dentro de casas de terra), é um material que respira, regulando a umidade e a temperatura, livrando-nos de problemas como o mofo e aposentando o ar condicionado. O ar condicionado, inclusive, pode ser definido como um aparelho moderno criado para solucionar problemas que nós mesmos criamos com construções mal projetadas, com materiais errados, e dentro de ilhas de calor, que são as cidades.

Blocos de adobe produzidos no TIBÁ, Instituto de Tecnologia Intuitiva e Bioarquitetura, em Bom Jardim-RJ

Algumas curiosidades sobre os adobes: o bloco de adobe é reciclável: só deixá-lo na água e ele volta a virar terra; a massa usada para unir os adobes é a mesma usada para prepará-los; a construção com adobes pode ser autoportante, ou seja, pode prescindir de pilares, quando bem planejada e executada. Geralmente a altura de cada bloco de adobe é de 10% da altura total da parede.

Muro de adobes em uma casa localizada no TIBÁ.

Nosso mundo é finito, não possui recursos naturais para sustentar a vida de todos os seres humanos do planeta se todos seguirmos o modo de vida do american way of life, baseados no consumo e na competição entre os indivíduos. Segundo o Relatório Planeta Vivo 2014 da ONG WWF (World Wildlife Found), estamos consumindo a cada ano, 50% mais recursos naturais do planeta do que ele é capaz de repor, ou seja, estamos, ano após ano, consumindo a taxas insustentáveis, a “reserva” de recursos naturais da Terra.

Mas parece que isso não é importante... o importante é o lucro e o crescimento econômico. Até quando? Imaginemos se continuarmos assim até 2050, quando seremos cerca de 9 bilhões de habitantes no planeta, segundo a Organização das Nações Unidas. E aí?

Estamos no final da era industrial, um período de transição, que foi precedido pelas eras romana, medieval e renascentista. A nova era que se iniciará será pautada pela cooperação entre as espécies, quando viveremos em maior harmonia com o meio, entendendo as leis naturais, vivendo com simplicidade e exercendo o amor. Há várias iniciativas e idéias que irão formar esse novo mundo, e aqui coloco algumas que acredito que estarão entre elas (ou que serão precursoras de novas idéias): bioarquitetura, agroecologia, agroflorestas, agricultura orgânica, permacultura, alimentação viva, vegetarianismo ou ovolactovegetarianismo, economia solidária, ecovilas, ecossaneamento, e, claro, o que nunca sai de moda: artes, música, filosofia/religião (uma filosofia libertadora através da qual entenderemos que tudo o que acontece em nossas vidas é fruto de uma cadeia de acontecimentos lógicos, e que nada ocorre por acaso).

Exemplo atual de bioarquitetura. Casa em construção em Atibaia-SP, do arquiteto Michel Habib.

“A revolução não é mais pegar em armas, mas construir nossa própria casa, plantar nossa própria comida, deixar de comprar de multinacionais, quebrar o sistema econômico” – Peter Van Lengen, durante o Encontro de Bioarquitetura, em Nova Friburgo-RJ.

Referências:

Arg Bam, Irã (cidade de adobe): http://en.wikipedia.org/wiki/Arg-%C3%A9_Bam

Impactos ambientais da produção de cimento: http://www.amda.org.br/?string=interna-projetos&cod=28

Johan Van Lengen - Manual do Arquiteto Descalço

Michel Habib – página Construção Natural: em https://www.facebook.com/arq.terra

TIBÁ – Tecnologia Intuitiva e Bioarquitetura – www.tibarose.com.br

WWF – Relatório Planeta Vivo 2014 (disponível para download na internet)

Imagens:

Imagem 4: acervo próprio

Imagem 5: acervo próprio

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