Este texto escrevi em dezembro de 2011, um ano após sair da universidade, e enquanto era voluntário no México.
Quando me perguntam o que estudei, qual a minha formação, respondo que terminei o curso de engenharia ambiental há pouco tempo. Talvez eu tenha que mudar essa resposta, pois já faz quase um ano que terminei a faculdade.
De tanto responder essa mesma pergunta, já criei uma resposta padrão, o que é mais cômodo, mas talvez não seja o melhor a fazer, pois ao fazer as coisas sempre da mesma forma, perdemos oportunidades de ver as coisas de novos pontos de vista e de adquirir novas experiências. Filosófico, não?
A resposta que dou é: sou engenheiro ambiental. Logo vem a pergunta seguinte: “e o que faz um engenheiro ambiental?”. Respondo que pode fazer muitas coisas, mas o foco do meu curso foi saneamento - e complemento - saneamento convencional, com projetos de grandes estações de tratamento de água e de esgotos, mas que, agora, nesse meu voluntariado aqui no México aprendi muito sobre uma outra visão... saneamento ecológico.
De tanto ser questionado sobre o que faz um engenheiro ambiental comecei a pensar na pergunta que é o título desse artigo: “O que aprendi na universidade?”. Depois de refletir um pouco e depois de quase um ano de formado, tenho algumas idéias que compartilho aqui.
A universidade, através de aulas e matérias, me ensinou grande parte do que sei de legislação ambiental, qualidade de água, tratamento de água, tratamento de esgoto e resíduos sólidos, ou seja, a teoria técnica. Mas digo que coisas tão, ou mais importantes que essas, eu aprendi fora das salas de aula, pois, afinal de contas, a universidade está cheia de oportunidades:
Para os mais aplicados nos estudos e nas pesquisas, há projetos e bolsas de iniciação científica;
Para os mais aplicados nas festas, há grupos que se dedicam a organizar-las e a beber, beber muito;
Para os que curtem uma competição, há equipes de várias modalidades esportivas para participar;
Para os que curtem estar na arquibancada animando as equipes, há a bateria, que acompanha as equipes nos campeonatos universitários;
Para os que querem conhecer ambientes de trabalho de empresas, há as Empresas Junior;
Para quem quer promover eventos acadêmicos, há os comitês organizadores de semanas de cursos, com palestras, oficinas, visitas técnicas, festas;
Para quem quer atuar para melhorar seu curso de alguma forma, há as secretarias acadêmicas;
Para quem quer melhorar o campus, há o centro acadêmico;
Para quem quer melhorar a universidade, há o diretório central de estudantes;
Para quem quer aplicar o terceiro membro do tripé ensino-pesquisa-extensão, o menos aplicado dos três, há grupos e projetos de extensão como o projeto Rondon e o USP Recicla;
Para quem quer aprender inglês, há cursos iniciantes e intermediários grátis;
Para quem quer ter uma experiência internacional, há várias oportunidades de intercâmbio;
Para quem quer organizar a festa de formatura e todos os seus detalhes, há a comissão de formatura;
Para quem não quer fazer nada disso que listei acima, tenho certeza que há outras coisas que me esqueci de citar;
Os cinco anos de universidade para mim abriram minha cabeça para novas oportunidades, coisas que nunca pensei que ia fazer um dia, como participar de uma operação do Projeto Rondon (projeto do Ministério da Defesa que leva universitários por 15 dias em regiões pobres do Brasil para trabalho voluntário) no Pará, no meio da floresta amazônica, uma experiência que me marcou positivamente.
Outro programa importantíssimo para mim foi o USP Recicla, do qual participei durante a segunda metade da minha graduação. Foi um tempo onde aprendi muito sobre nossa sociedade de consumo, desenvolvendo um pensamento mais crítico em relação à geração de lixo; conheci e trabalhei (e trabalho) com o princípio dos 3R (reduzir, reutilizar e reciclar), compostagem, coleta seletiva e tive a oportunidade de trabalhar pela primeira vez com oficinas para estudantes do ensino médio, o que foi importante como experiência prévia a uma parte do trabalho que realizo agora.
Além disso, essa experiência no programa me proporcionou ser coautor de um guia prático sobre organização de eventos mais sustentáveis, o que gerou um novo projeto e hoje há um estagiário trabalhando com esse tema no USP Recicla. O guia pode ser baixado gratuitamente em: http://www.projetosustentabilidade.sc.usp.br/index.php/Biblioteca/Documentos/Organizacao-de-eventos. Paralelo a isso, fiz o meu trabalho de graduação usando o mesmo tema, e participei da organização da Semana da Engenharia Ambiental, onde apliquei alguns conceitos do guia. Digo que minha graduação pode ser separada em antes e depois do USP Recicla, pois, de certa forma, tudo o que fiz na metade final do meu curso tinha alguma ligação com o programa.
Outro período essencial para mim na universidade, o que pode parecer um escândalo para muitos, foram os meses de greve no segundo ano de curso (2007). Foi uma greve movida pelos estudantes, funcionários e parte dos professores, contra um decreto do então governador de São Paulo, que tinha como medida principal submeter todas as decisões dos reitores das três universidades públicas de São Paulo para sua aprovação ou desaprovação final. Houve uma grande mobilização estudantil nos campi das três universidades, e no campus onde eu estudava não foi diferente. Participei ativamente da greve e aprendi muito sobre as relações de poder na universidade e na sociedade; perdi a inocência de pensar que a elite científica da sociedade é também a elite democrática, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Vi na prática a Rede Globo e a revista Veja distorcendo e mal informando as pessoas sobre as razões das mobilizações do movimento estudantil, vi a grande capacidade que temos, como indivíduos, de obter resultados positivos ao nos mobilizarmos por uma causa, pois o decreto foi revogado e tivemos outros ganhos, como um ônibus novo para o transporte entre os dois campi que existem na cidade, a construção de um novo alojamento para estudantes e, depois, conseguimos uma melhora na qualidade da alimentação servida no restaurante universitário.
Tive uma experiência participando da comissão de formatura também, muito rica no sentido de conviver com pessoas que tinham gostos, prioridades e disponibilidade de dinheiro muito diferentes das minhas (leia-se: muito maiores). Conviver com pessoas diferentes propicia boas oportunidades de aprendizagem.
Além de tudo isso, outra coisa importantíssima é a rede de amigos e contatos que pode ser criada na universidade. Os palestrantes, professores e companheiros de curso ou de universidade podem nos prover várias oportunidades, como a oportunidade que estou tendo de fazer esse voluntariado no México, contato obtido com um companheiro de curso chamado Felipe (ou Hare), algo que eu nem sonhava em fazer e nem sabia que existia antes de entrar pra faculdade.
A universidade abriu para mim, vagarosamente, durante o período que lá estive, um grande leque de oportunidades; porém... há tanta coisa que a escola e a universidade não ensinam... há uns dias ouvi a seguinte reflexão de um arquiteto mexicano, referência em desenhos para saneamento ecológico:
“A universidade nos transmite conhecimento, mas não sabedoria. Sabedoria a gente encontra conversando com aquele senhor lavrador que olha pro céu e sabe se vai chover ou não, olha pro sol e sabe que horas são, que espreme um pouco de barro com as mãos e sabe se essa terra é boa ou não pra construir uma casa de adobe... isso a escola não ensina, a universidade me ensinou a ser um vendedor de cimento e malha de ferro.” – Cesar Añorve.
Um agrônomo agregou em seguida:
“Minha universidade me formou um vendedor de agrotóxicos.” - Salvador Castillo, agrônomo mexicano.
Eu me pergunto: minha universidade me formou o que? E a sua, te formou o que?
*Antes que eu esqueça: estudei engenharia ambiental na universidade de São Paulo, campus de São Carlos e atualmente faço um trabalho voluntário na área de saneamento ecológico em três pequenas comunidades no México, pra ver se encontro a sabedoria.